Chama-se municipalismo à autonomia administrativa dos concelhos. Com a formação dos concelhos, surgidos muitos deles, incluindo o de Paredes de Coura, nos anos idos de quatrocentos e quinhentos, outorgados em carta de foral pelos reis aos homens bons dos territórios, desejosos de autonomia, e pela qual se obrigavam ao pagamento de impostos, tão necessários para a afirmação do Estado, começa o processo de municipalização, em que a Administração central confere competências às autarquias, entretanto reconhecidas pelos seus poderes de administração e gestão dos espaços públicos.
Com o avançar dos séculos, o municipalismo português foi conhecendo várias caras, umas mais alegres e outras mais tristes, até que, a partir de 1974, começa um novo período. É o tempo do reconhecimento do poder autárquico, em que o município é legitimado pela governação das assembleias de freguesia, da assembleia municipal e da câmara municipal, numa lógica de articulação de competências.
Confessando-me municipalista, ou seja, acredito muito mais no governo da autarquia do que num governo supraconcelhio, a que poderemos chamar uma região, sou adepto da resolução local dos problemas, ainda que reconheça que certas decisões têm de ser concertadas em contextos mais abrangentes. Por exemplo, aceito que os problemas de Paredes de Coura tenham de ser enquadrados no território conjunto dos dez municípios do Alto-Minho, na soberania jurídica de uma comunidade intermunicipal, com este ou com aqueloutro nome, e à falta de melhor os rios parecem ser a solução. Talvez já discorde que os mesmos problemas tenham de passar pelo crivo do território de todos os concelhos situados na região do Entre-Douro-e-Minho ou de uma outra região.
Pelo que somos enquanto nação, sem grandes diferenças culturais e com uma mesma língua, e pelo espaço territorial que habitamos, um minúsculo rectângulo, não se justifica a existência de governos regionais, mais ainda quando a Administração nacional e a Administração local se estendem por espaços exíguos. Uma e outra são formas complementares do serviço público, como se fossem duas faces de uma mesma moeda.
No referendo sobre a regionalização, realizado em 1998, os portugueses votaram a favor do municipalismo, se bem que a pergunta tivesse sido sobre a regionalização, ou de qualquer coisa parecida, dada a confusão das palavras e o emaranhado do enunciado. Há, agora, fervorosos autarcas, parecendo não caber nos seus concelhos, que lutam pela regionalização como quem estivesse a querer outros espaços de decisão e outras formas de uniformização.
Julgo que, enquanto portugueses que somos, chega-nos o governo nacional. Não se torna necessária a regionalização como solução de nova governabilidade dos concelhos, pois isso representaria não só o enfraquecimento do municipalismo, bem como a reprodução dos vícios do poder nacional.
A primeira razão porque sou a favor do municipalismo deve-se à política de proximidade. Quando se está perto das pessoas mais fácil se torna a identificação e resolução dos problemas. Hoje em dia, são inúmeras as vantagens do poder local. A qualidade de vida das pessoas melhorou imenso e se ainda estivéssemos dependentes de um qualquer jogo de xadrez político, em que o rei de Lisboa, ou a rainha do Porto, ou a torre de Viana, ou o cavalo de Braga mandariam mais que o peão de Coura, ou de Monção, ou de Cerveira, tudo estaria diferente, e para bem pior.
Com a transferência de verbas própria do Fundo de Equilíbrio Financeiro, a que se juntam as parcas receitas geradas em território próprio, as necessidades básicas ligadas a indicadores de qualidade de vida têm sido satisfeitas. É gritante a comparação entre o que foi ontem e o que é hoje a vida dos concelhos. Basta olhar à nossa volta e reparar nas infra-estruturas culturais, sociais e económicas.
A incómoda pergunta a fazer talvez fosse esta: por que razão só agora é que as pessoas têm direito a estes serviços?
Uma outra razão diz respeito ao conhecimento directo que os eleitores têm dos candidatos aos órgãos dos municípios. A política local faz-se no tratamento informal, no reino do “tu”, sem precisar das grandes distâncias que as figuras mediáticas gostam de criar. Faz-se, de igual modo, no trato pessoal, na solidariedade, na palavra amiga, enfim, no conhecimento mútuo que há entre quem elege e quem governa. Uma análise exaustiva dos resultados das eleições autárquicas, em Paredes de Coura, poderia revelar o motivo pelo qual o município teve somente dois presidentes de câmara eleitos depois de 1974. E muitos foram os candidatos, sempre derrotados por estes dois presidentes.
Com esta posição não quero dizer que cada concelho se deva fechar sobre si mesmo, ignorando o que se passa à sua volta. As teias dos problemas são demasiado grandes e todos eles acabam por ter consequências idênticas quando não trabalham em conjunto. A cooperação concelhia já se faz a muitos níveis: na gestão dos meios de comunicação, nas infra-estruturas rodoviárias, no tratamento do lixo, na distribuição de água, na exploração eólica, ou seja, em tantos e tantos aspectos que obrigam os concelhos a ter uma só voz para os mesmos problemas.
Alguém pode perguntar: as comunidades intermunicipais não são uma forma de regionalização?
Não, de modo nenhum, são apenas formas de reforço do municipalismo, obrigando os concelhos a dialogar e a responder colectivamente a problemas que são, efectivamente, de todos.
Vamos a mais um exemplo: A Comunidade Intermunicipal do Vale do Minho tem um projecto ambicioso, denominado Minho Digital. Este projecto consiste em dotar os concelhos de infra-estruturas ligadas às novas tecnologias de informação e comunicação, com destaque para a fibra óptica. Seria impensável que tal projecto fosse realizado num qualquer concelho minhoto, tornando-se imperioso que se alargue essa imensa rede que envolve todos os concelhos.
Pensando-se bem nesta cooperação existente, a regionalização torna-se desnecessária, traduzindo-se numa vontade política que serve mais os interesses dos concelhos mais fortes que dos concelhos mais fracos.
Ser a favor do municipalismo, ou a favor da regionalização, não é uma questão meramente territorial. Poderia ser favorável à regionalização se, por mera possibilidade teórica, todos os concelhos de uma região estivessem no mesmo plano de desenvolvimento e com as mesmas potencialidades. Infelizmente, e recordemo-nos da frase lapidar do livro “O Triunfo dos Porcos”, de George Orwell: “Todos são iguais, mas uns são mais iguais que outros”.
Não sei como seria a regionalização pela leitura desta frase, estando convicto que a mesma não pode ser utilizada para a municipalização. Cada concelho luta por si e jamais se pode impor aos outros. Para isso, as regras precisam de ser claras o princípio de subsidiariedade deve funcionar, ou seja, os concelhos com menos possibilidades de desenvolvimento e com receitas mais parcas têm a colaboração dos concelhos mais fortes.
Assumindo-me como municipalista, neste e noutros escritos, gostaria de deixar um alerta como ideia final. O que caracteriza a municipalização é a prestação de um serviço público. Por força de ideias políticas e por razões economicistas, muitos serviços prestados pelas autarquias começam a ser semi-privatizados, através da formação de empresas de capitais públicos e privados.
Quando a economia se sobrepõe como factor único ao nível da resposta pública sabe-se que, invariável e penosamente, os custos sobram sempre para os munícipes.
José Augusto Pacheco