09 novembro 2009

Municipalismo

Chama-se municipalismo à autonomia administrativa dos concelhos. Com a formação dos concelhos, surgidos muitos deles, incluindo o de Paredes de Coura, nos anos idos de quatrocentos e quinhentos, outorgados em carta de foral pelos reis aos homens bons dos territórios, desejosos de autonomia, e pela qual se obrigavam ao pagamento de impostos, tão necessários para a afirmação do Estado, começa o processo de municipalização, em que a Administração central confere competências às autarquias, entretanto reconhecidas pelos seus poderes de administração e gestão dos espaços públicos.

Com o avançar dos séculos, o municipalismo português foi conhecendo várias caras, umas mais alegres e outras mais tristes, até que, a partir de 1974, começa um novo período. É o tempo do reconhecimento do poder autárquico, em que o município é legitimado pela governação das assembleias de freguesia, da assembleia municipal e da câmara municipal, numa lógica de articulação de competências.

Confessando-me municipalista, ou seja, acredito muito mais no governo da autarquia do que num governo supraconcelhio, a que poderemos chamar uma região, sou adepto da resolução local dos problemas, ainda que reconheça que certas decisões têm de ser concertadas em contextos mais abrangentes. Por exemplo, aceito que os problemas de Paredes de Coura tenham de ser enquadrados no território conjunto dos dez municípios do Alto-Minho, na soberania jurídica de uma comunidade intermunicipal, com este ou com aqueloutro nome, e à falta de melhor os rios parecem ser a solução. Talvez já discorde que os mesmos problemas tenham de passar pelo crivo do território de todos os concelhos situados na região do Entre-Douro-e-Minho ou de uma outra região.

Pelo que somos enquanto nação, sem grandes diferenças culturais e com uma mesma língua, e pelo espaço territorial que habitamos, um minúsculo rectângulo, não se justifica a existência de governos regionais, mais ainda quando a Administração nacional e a Administração local se estendem por espaços exíguos. Uma e outra são formas complementares do serviço público, como se fossem duas faces de uma mesma moeda.

No referendo sobre a regionalização, realizado em 1998, os portugueses votaram a favor do municipalismo, se bem que a pergunta tivesse sido sobre a regionalização, ou de qualquer coisa parecida, dada a confusão das palavras e o emaranhado do enunciado. Há, agora, fervorosos autarcas, parecendo não caber nos seus concelhos, que lutam pela regionalização como quem estivesse a querer outros espaços de decisão e outras formas de uniformização.

Julgo que, enquanto portugueses que somos, chega-nos o governo nacional. Não se torna necessária a regionalização como solução de nova governabilidade dos concelhos, pois isso representaria não só o enfraquecimento do municipalismo, bem como a reprodução dos vícios do poder nacional.

A primeira razão porque sou a favor do municipalismo deve-se à política de proximidade. Quando se está perto das pessoas mais fácil se torna a identificação e resolução dos problemas. Hoje em dia, são inúmeras as vantagens do poder local. A qualidade de vida das pessoas melhorou imenso e se ainda estivéssemos dependentes de um qualquer jogo de xadrez político, em que o rei de Lisboa, ou a rainha do Porto, ou a torre de Viana, ou o cavalo de Braga mandariam mais que o peão de Coura, ou de Monção, ou de Cerveira, tudo estaria diferente, e para bem pior.

Com a transferência de verbas própria do Fundo de Equilíbrio Financeiro, a que se juntam as parcas receitas geradas em território próprio, as necessidades básicas ligadas a indicadores de qualidade de vida têm sido satisfeitas. É gritante a comparação entre o que foi ontem e o que é hoje a vida dos concelhos. Basta olhar à nossa volta e reparar nas infra-estruturas culturais, sociais e económicas.

A incómoda pergunta a fazer talvez fosse esta: por que razão só agora é que as pessoas têm direito a estes serviços?

Uma outra razão diz respeito ao conhecimento directo que os eleitores têm dos candidatos aos órgãos dos municípios. A política local faz-se no tratamento informal, no reino do “tu”, sem precisar das grandes distâncias que as figuras mediáticas gostam de criar. Faz-se, de igual modo, no trato pessoal, na solidariedade, na palavra amiga, enfim, no conhecimento mútuo que há entre quem elege e quem governa. Uma análise exaustiva dos resultados das eleições autárquicas, em Paredes de Coura, poderia revelar o motivo pelo qual o município teve somente dois presidentes de câmara eleitos depois de 1974. E muitos foram os candidatos, sempre derrotados por estes dois presidentes.

Com esta posição não quero dizer que cada concelho se deva fechar sobre si mesmo, ignorando o que se passa à sua volta. As teias dos problemas são demasiado grandes e todos eles acabam por ter consequências idênticas quando não trabalham em conjunto. A cooperação concelhia já se faz a muitos níveis: na gestão dos meios de comunicação, nas infra-estruturas rodoviárias, no tratamento do lixo, na distribuição de água, na exploração eólica, ou seja, em tantos e tantos aspectos que obrigam os concelhos a ter uma só voz para os mesmos problemas.

Alguém pode perguntar: as comunidades intermunicipais não são uma forma de regionalização?

Não, de modo nenhum, são apenas formas de reforço do municipalismo, obrigando os concelhos a dialogar e a responder colectivamente a problemas que são, efectivamente, de todos.

Vamos a mais um exemplo: A Comunidade Intermunicipal do Vale do Minho tem um projecto ambicioso, denominado Minho Digital. Este projecto consiste em dotar os concelhos de infra-estruturas ligadas às novas tecnologias de informação e comunicação, com destaque para a fibra óptica. Seria impensável que tal projecto fosse realizado num qualquer concelho minhoto, tornando-se imperioso que se alargue essa imensa rede que envolve todos os concelhos.

Pensando-se bem nesta cooperação existente, a regionalização torna-se desnecessária, traduzindo-se numa vontade política que serve mais os interesses dos concelhos mais fortes que dos concelhos mais fracos.

Ser a favor do municipalismo, ou a favor da regionalização, não é uma questão meramente territorial. Poderia ser favorável à regionalização se, por mera possibilidade teórica, todos os concelhos de uma região estivessem no mesmo plano de desenvolvimento e com as mesmas potencialidades. Infelizmente, e recordemo-nos da frase lapidar do livro “O Triunfo dos Porcos”, de George Orwell: “Todos são iguais, mas uns são mais iguais que outros”.

Não sei como seria a regionalização pela leitura desta frase, estando convicto que a mesma não pode ser utilizada para a municipalização. Cada concelho luta por si e jamais se pode impor aos outros. Para isso, as regras precisam de ser claras o princípio de subsidiariedade deve funcionar, ou seja, os concelhos com menos possibilidades de desenvolvimento e com receitas mais parcas têm a colaboração dos concelhos mais fortes.

Assumindo-me como municipalista, neste e noutros escritos, gostaria de deixar um alerta como ideia final. O que caracteriza a municipalização é a prestação de um serviço público. Por força de ideias políticas e por razões economicistas, muitos serviços prestados pelas autarquias começam a ser semi-privatizados, através da formação de empresas de capitais públicos e privados.

Quando a economia se sobrepõe como factor único ao nível da resposta pública sabe-se que, invariável e penosamente, os custos sobram sempre para os munícipes.

 

José Augusto Pacheco

5 comentários:

  1. "Por força de ideias políticas e por razões economicistas, muitos serviços prestados pelas autarquias começam a ser semi-privatizados, "

    Semi ou completamente eses servicos já estao a ser entregues a empresas de privados e de capitais públicos....note-se a águas e as eólicas de Paredes de Coura...a meu mer numca deviam ter sido entregues!!!!!!!!!

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  2. O municipalismo se for ao encontro da nossa realidade demográfica, politica e social e que permita ao povo a sua participação na vida da sua comunidade para que mais próximo dela fique e lhe dê a oportunidade de interferir na gestão do património cultural, social e ambiental, trará com certeza mais qualidade de vida. Isto seria um ideal muito bonito, mas e quando cada vez mais assistimos à desvalorização do nosso património, do desprezo por casas e solares de grande e raro valor histórico e cultural, que são substituídos por gigantes blocos de cimento, em construções que em nada se identificam com o meio envolvente, pela construção de habitações de design extravagante, que só se encaixariam numa zona citadina, pois em nada se incorporam neste verde rural? O problema é que o poder do consumismo protagoniza o êxito das campanhas eleitorais, que aliciam os eleitores à ilusão do desenvolvimento, do crescimento e da desesperada necessidade de conquistar um progresso denominado de urbanismo. E desta forma, não estaremos a caminhar para a hipoteca do nosso futuro?!
    "A cidadania é em si mesma a essência mais nobre do municipalismo."

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  3. Nem todos os cidadãos podem ser agentes políticos, mas se não lhes for dada a oportunidade de se envolverem e terem um papel mais activo no poder do exercício democrático, estarão apenas sujeitos a viverem com a ressaca das estratégias da politica local a que estão sujeitos, sem que a sua voz possa ser ouvida e sem terem a oportunidade de contribuir com ideias e valores que lhes tornem melhor o acto de viver, pois as Assembleias Municipais não têm a forma, nem a dinâmica, para que se possa tornar mais ágil e eficaz, pois como sabemos deveria estar menos dependente da lógica partidária que por vezes a oprime.
    Os cidadãos têm que ter voz para que assim possam prestar o seu direito de discutir e propor e assim cumprir o propósito do seu direito e do seu dever de cidadania. Tem que ser informado e capaz de se organizar em órgãos representativos de opinião e lutar por esse principio. E assim, acredito que o principio do Municipalismo será uma mais valia para qualquer comunidade.

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  4. Sinto-me privilegiado sob a possibilidade de tão tranquilamente poder comentar uma posição defendida por tão ilustre personagem. Continuo a acreditar que em 2013 o Dr José A Pacheco, fará parte da lista daqueles que disputarão a eleição para próximo Presidente de Paredes de Coura.
    Pese embora termos protagonizado algumas divergências ideológicas no período em que ambos participamos na AM, considero positiva e até incentivando ao consenso a posição do Dr José A Pacheco na qualidade de presidente da AM.
    Reconheço, que em determinado período, passou até a utilizar uma postura pedagógica na gestão das respectivas intervenções, aliás na sequência de vários pedidos que lhe fiz nesse sentido.
    Entendo também que nos momentos em que esteve menos bem, poderá ter sido influenciado por posturas também reprováveis dos intervenientes, eu próprio, nem sempre me dirigi ao plenário com a devida calma e tranquilidade que nos deveria nortear.
    Passada esta parte introdutória, que considero ser meu dever fazê-lo, pelo respeito e consideração que o interveniente me merece, vou procurar emitir a minha modesta opinião, ou seja o meu ponto de vista sobre o tema que pretendeu tratar, “a Regionalização”.
    Estranho ou talvez não, que apareça como um defensor intransigente do Municipalismo, e contra a Regionalização, quando também sabe que no caso concreto de Paredes de Coura, tem sido quase completamente abandonado pelos Governos Centrais, parece-me que a existência de um nível intermédio, poderia ter produzido outro balanço..
    Sendo certo que o Municipalismo permite uma politica de proximidade, não me parece que a criação de algumas regiões no nosso pequeno pais, venha a por em causa essa proximidade, e também não me parece que a Regionalização tenha que estigmatizar os concelhos pequenos e os mais pobres.
    O meu conceito de regionalização em termos simplistas, seria o de descentralização do poder situado nos Ministérios de Lisboa, e a distribuição de uma série de serviços, que precisamente pela proximidade, melhor poderiam defender e servir os cidadãos.
    Por outro lado, parece-me que apesar de pequeno, o nosso Pais contém algumas assimetrias, que não seria de ignorar.
    Concordo com aqueles que defendem a constituição de um numero pequeno de Regiões. É também certo que corremos o risco de multiplicar os factores impeditivos de desenvolvimento que se verificam no poder central, mas por outro lado, deixaríamos de falar a uma só voz, e teríamos a oportunidade de em simultâneo, tal como acontece com os Municípios, ver eleitos dirigentes Regionais de cores partidárias diferentes.
    Gostaria de deixar claro que se trata de uma posição meramente pessoal, nada tem a ver com a defesa de ideologias politicas, mas apenas com a expressão da minha análise das coisas.
    continua……..

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  5. Pareceu-me também aperceber no seu discurso, uma certa condenação da privatização de determinados serviços actualmente prestados pelas autarquias ou pelo estado, com todo o respeito, defendo que o estado em todas as suas extensões, deverá ter a mínima intervenção, o seu papel, deverá ser o de regulador em áreas como a educação a saúde e outras cuja gestão por privados, possam contribuir para a criação de desequilíbrios que penalizem os cidadãos e o próprio estado, de resto com o devido controle, os privados prestam melhor serviço, a um custo mais baixo, e encontram-se mais protegidos de influências e compadrios, do que as entidades publicas. A própria experiência o tem demonstrado.
    Por outro lado a defesa de determinados objectivos e princípios, mesmo que legítimos e compreensíveis à luz da defesa dos interesse de determinadas classes, não é liquido que sejam do interesse geral. Falo concretamente da recente polémica dos chips nas matriculas dos automóveis, deixando de parte a questão da utilização ou não, e da defesa do direito de privacidade e utilização dos dados dos cidadãos, não me parece que em defesa de determinados interesses, possamos querer impedir o desenvolvimento e a utilização de determinados equipamentos, pelo facto de ser garantido que esta utilização vai contribuir para a diminuição de postos de trabalho.
    Parece-me que estaremos a juntar, duas coisas completamente distintas. Do meu ponto de vista, devemos apoiar todas as acções que contribuam para a diminuição de custos de exploração, e para a melhoria das condições dessa mesma exploração, exigindo e criando condições, para que o resultado dessa diminuição de custos, seja aplicado na defesa e comparticipação social dos visados ou outros, cuja actividade pode ser ocupada em outras funções, que essas sim, não possam utilizar os equipamentos electrónicos e outros, como seja as acções de carácter social.
    Espero ter tido a capacidade de me explicar convenientemente, para não correr o risco de ser mal interpretado, a expressão de outras opiniões diferentes, poderão sempre ajudar a convicção das nossas ideias, ou a alteração das mesmas. Da minha parte encontro-me de mente totalmente aberta, para aprender a ver outra solução para os assuntos.
    Um abraço ao Dr José A Pacheco, e o habitual pedido, se comentar, faça-o em termos pedagógicos, porque gosto de aprender.

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